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Mostrando postagens de junho, 2018

Oz

Quando um bebê nasce, a primeira coisa que esperamos ouvir dele é seu choro. No parto do terceiro filho de Maria, porém, o silêncio fora absoluto. - Ele está bem? - perguntara Maria, ofegante, à parteira. - Só... só um instantinho - dissera a parteira, levando o bebê até a janela. Em vinte anos de profissão, Dona Lucia nunca fizera um parto fracassado; olhando para o céu, ela rezava para que aquele não fosse o primeiro. - Me dê meu bebê! - exclamara Maria do outro lado do quarto, seus cabelos louros grudados no suor de sua testa, resultado de horas de trabalho de parto. Lucia andara hesitante pelo cômodo, mas realizara o desejo de sua cliente e amiga. Ao pegar o filho nos braços, Maria abrira um grande sorriso. - Veja só como ele respira bonito! - balbuciara a mãe. - E esse olhos?! Azuis como o do pai! Ah, como estou feliz... O bebê nascera morto. E nunca abrira suas pálpebras. 5 anos depois Marcelinho tinha muitos amigos na sua sala da primeira série....

A Rainha da Noite

Num sobrado, no bairro de Apipucos, vivia Hilda, que mantém seu silêncio como boa vizinha, até demais. A vida no Sobrado Southeil era quase inexistente. A única coisa viva que passava por alí alem de traças era a própria dona. Muitos anos de existência, da casa mais do que de Hilda. Alguns boatos corriam no bairro de que a adega da casa era rica em vinhos franceses envelhecidos, que vieram com a compra do casarão, do residente anterior. O sotão ia ser transformado numa segunda sala de estar, para fumantes, mas hoje não passa de uma sala com móveis cobertos de lençóis estranhamente perfeitos, para uma casa com a quantidade de traças que havia nos outros três andares. O térreo, primeiro andar, e subsolo, onde ficava a adega. As vezes as pessoas do bairro batem na porta só pra checar se a mulher estava viva. Uma jovem viúva, que preocupava uma vizinhança tão fofoqueira quanto um salão de beleza da Várzea. Genoveva, sua antiga melhor amiga, aparece durante a noite – somente durante a n...

Capítulo Final

Josh Killman era um renomado escritor de romances de suspense, que passava pelo pior bloqueio criativo de sua vida. Tendo alcançado o estrelato com sua série de livros protagonizados pelo detetive sobrenatural Jim Holloway – um investigador particular que usava magia negra e pacto com demônios para solucionar seus casos – Josh contrariou toda a lógica do mercado editorial no momento em que resolveu, no auge de sua fama e carreira, matar o detetive em seu último livro publicado. Ao anunciar o fim do protagonista de seus romances, Killman afirmou que estava se sentindo muito preso ao personagem e desejava buscar algo novo, explorar novos horizontes criativos, e essa teria sido a razão pela qual escolhera matar Jim, para deixar claro que o detetive não retornaria. Pobre Josh, não esperava que a reação do público seria tão negativa. Os fãs e a imprensa rechaçaram o escritor, que passou a ter que conviver com um açoite diário de todos os lados. Eram milhares de mensa...

Maldição

    Pandora estava sentada no sofá soprando o ar irado no pote escuro de vidro. Não era a primeira vez que o fazia, o pote ficava normalmente na mesa de centro, um tanto quanto deslocado da decoração luxuosa do apartamento, no entanto, Gregório nunca o notava. Pandora sempre o pegava quando estava sozinha, soprava o que a tentava a perder o controle e fechava sua tampa. Ele tinha saído novamente para a suposta jogatina de poker “só amigos”. Ela pensou em ligar para Júlia, desanuviar, talvez uma companhia para o cinema... mas isso geraria perguntas demais de Gregório, um aborrecimento desnecessário. Pandora ligou para Júlia. - Júlia? Um barulho alto de conversa e risos masculinos impedia que Pandora ouvisse direito. Pandora desligou. Fazia um tempo que não falava com Júlia, a última vez que se encontraram não acabou tão bem. Júlia insistia para que Pandora terminasse com Gregório, dizia que ele não lhe fazia bem, insistiu tanto que Pandora percebeu que ela estava, na v...

Diário do Arthur

Dia 25, domingo. Querido diário. Hoje o novo namorado da mamãe trouxe presentes. Uma boneca para Beatriz e um carrinho pra mim. Eu tenho cara de quem brinca de carrinho? Eu tenho 11 anos! Ainda sim, não gosto dele. Ele é estranho, tem uma cara assustadora, e Beatriz também acha isso porque demorou pra ela sequer tocar na boneca. Mamãe fez um bolo pra mim hoje. Foi bem pequenininho, por causa das condições, e eu fiquei muito triste porque ela não comeu nem um pedaço. Mas tava uma delícia. Dia 26, segunda. A Beatriz não conseguiu dormir ontem, então eu fui lá cantar pra ela. Eu ouvi ela chorando e quando cheguei lá ela estava tremendo de medo. Prometi protegê-la de qualquer coisa que a incomodasse. Enquanto ela dormia, ela falava que ouviu uma voz no quarto falando coisas que ela não entendia. Eu fiquei com medo. Contei pra mamãe mas ela não acreditou em mim. Engraçado, quando eu acordei a boneca não estava mais no quarto. Acho que a mamãe tirou ela de lá. Dia 27, terça. Diário, ...

Terra Mãe

ATO I O bando se uniu dentro do interior vazio de uma árvore morta. O som das gotas ecoava através das paredes ressecadas que os defendiam. Eles temiam a chuva pois conheciam suas propriedades corrosivas, e embora a usassem para limpar a ferrugem que eventualmente se formava em suas armas, receavam o que ela fazia com suas peles. O líder do bando, e também o mais velho, o Homem de Vela, era para os demais a lembrança viva do que acontecia quando se descuidavam em tempos de céu fechado. A sua careca e seu único olho bom eram uma advertência melhor do que qualquer promessa de castigo. Assim que a chuva parou, de pouco a pouco, eles se retiraram do esconderijo. Eram 5 ao todo, lanças erguidas em mãos, algo que para eles já era instintivo. As sandálias de escamas e folhas que usavam protegiam a sola endurecida de seus pés da fina camada de água acidificada que permeava a grama áspera sob onde pisavam. O Homem de Vela se ap...

A Escolha

                 Seus passos percorriam o chão lameado com folhas e galhos, numa velocidade desesperada e sem direção. Os caminhos sempre pareciam diferentes, mesmo quando ela tentava voltar, não havendo trilha certa e a floresta era muito densa para ver algo além de alguns metros, sendo que as árvores eram tão altas que cobriam os céus. Não havia luz ali, pelo menos não a do sol. Tudo parecia ter uma cor azulada, mas ela não sabia se era algo em sua visão ou se era do lugar. Aquilo não fazia sentido algum, tanto a luz, quanto a floresta, ainda mais ela estar ali. Como chegou àquele lugar? Jurava que estava indo a pé ao supermercado, onde ficava a um quarteirão de sua casa no subúrbio. Mas, de repente, parara ali e não fazia ideia do motivo. Devia ser um sonho, mas já tentara acordar, beliscando-se, dando alguns tapas em seu rosto e até mesmo se cortara ao passar por uns galhos, porém não acordou. Assim, não havia muito o que fazer,...