Pandora estava sentada no sofá soprando o ar irado no pote escuro de
vidro. Não era a primeira vez que o fazia, o pote ficava normalmente
na mesa de centro, um tanto quanto deslocado da decoração luxuosa
do apartamento, no entanto, Gregório nunca o notava. Pandora sempre
o pegava quando estava sozinha, soprava o que a tentava a perder o
controle e fechava sua tampa. Ele tinha saído novamente para a
suposta jogatina de poker “só amigos”. Ela pensou em ligar para
Júlia, desanuviar, talvez uma companhia para o cinema... mas isso
geraria perguntas demais de Gregório, um aborrecimento
desnecessário. Pandora ligou para Júlia.
- Júlia?
Um barulho alto de
conversa e risos masculinos impedia que Pandora ouvisse direito.
Pandora desligou. Fazia um tempo que não falava com Júlia, a última
vez que se encontraram não acabou tão bem. Júlia insistia para que
Pandora terminasse com Gregório, dizia que ele não lhe fazia bem,
insistiu tanto que Pandora percebeu que ela estava, na verdade,
interessada nele, Será que estava mesmo? Pandora lembrou das vozes
masculinas. Poderia ser uma jogatina de Poker. Júlia estava lá?
Júlia estava dando em cima de Gregório. Gregório saíra para
encontra-la. Pandora abriu mais uma vez o pote e soprou. As lágrimas
penosas desciam por sua bochecha. Pandora lembrou que nem sempre
ficava tão atormentava quando Gregório saía. Antes, aproveitava
para ver as amigas ou dirigir até a casa do pai, que morava há 30
minutos da sua. Gregório começou a desconfiar de suas saídas. Não
acreditava que ela ia ver seu pai, mesmo que este confirmasse. Não
acreditava que ela ia ver as amigas. Perguntava qual amigo ela estava
indo ver tão arrumada. No começo ela ria, achava que era
brincadeira, depois tentou explicar, tranquiliza-lo, porém depois a
situação fugiu de seu controle. Então, Pandora achou melhor ir
dormir.
O sono profundo a
confortava quando o telefone tocou. Seu chefe ligava. As máquinas da
fábrica, na qual era engenheira supervisora, pararam e a empresa não
podia arcar com o prejuízo do não funcionamento do turno da noite.
Pandora detestava que a acordassem. Foi até a sala, soprou no pote.
O relógio marcava 2h. Gregório não havia chegado. Ligou para ele
vir buscá-la. O barulho do outro lado da linha impedia que
conversassem. Muitas vozes rindo. Chamou um táxi.
O pote ficou na
sala.
Gregório chegou em
casa. Ninguém estava. Não gostou. Ligou para Pandora. Ela havia
deixado o celular no apartamento. Gregório desbloqueou e começou a
fuçar o celular. Uma ligação para Júlia. Uma ligação de um
desconhecido. Uma ligação para ele. Será que ela ouviu algo? Não,
deveria estar indo atrás desse amigo desconhecido. A ira tomou conta
de sua cabeça.
O pote ainda estava
na sala.
Pandora chegou
arrastando os pés no chão. O cansaço em seus olhos transbordava,
teria pouco tempo de sono antes de ter que acordar novamente para
trabalhar, dessa vez em seu horário regular. Não acendeu a luz da
sala. Estava a caminho da cama quando foi surpreendida por uma
bofetada na cara. Tinha esquecido de Gregório, que agora proferia os
mais diversos insultos a ela, como , infelizmente, não era tão raro
assim. Pandora, estupefata, não reagiu. Não entendia o que
acontecia.
- Diga o nome dele. -
exigia Gregório
- O quê? - Pandora
cansada mal conseguia responder.
- Seu amante. -
ironizou Gregório.
Pandora chorou.
- Eu estava na
fábrica. - respondeu Pandora indignada.
- Seu chefe te paga
para isso? - disse Gregório maliciosamente.
Gregório continuou
proferindo frases sem sentido, Pandora olhava-o incrédula,
questionando-se se haveria atingido de fato a loucura. Correu em
direção ao pote. Gregório agarrou seu pulso no caminho.
- Eu estou falando.
É fugindo da conversa que quer resolver? - Disse Gregório
impaciente.
Pandora soltou um
grito estridente, parecia que se podia ver o som saindo de suas
entranhas. Gregório pensou que seus tímpanos fossem explodir. Os
fatos a partir desse momento foram confusos. Gregório tentou calar
Pandora, tentou por tempo demais. Ela caiu com os olhos fechados no
chão. Ele enraiveceu-se mais ainda. Por que ela insistia em fingir
que ele a machucava?
- LEVANTA! - Gregório
a golpeou no chão.
Ele andava de um
lado para o outro do cômodo, havia perdido a paciência com ela.
Notou um estúpido pote de vidro escuro no centro da mesa. Sem
titubear lançou-o no corpo desacordado de Pandora. Pandora não se
mexeu. Um conteúdo escuro começava a evaporar dos cacos quebrados,
uma substância que se expandia como uma nuvem de fumaça
aproximou-se dele até envolvê-lo. Algo acontecia com Gregório, mas
não havia nada que ele pudesse fazer para impedir. Um por um dos
horrores mais inimagináveis invadiu sua mente. Ele quis gritar. Seus
olhos arregalados viram o que nunca viu antes, seu estômago doía
como a fome dói nos que não sabem quando ela irá passar. Sua ira
aumentava e a raiva borbulhava em seu sangue, o pavor o impedia de
gritar.
Não se sabe por
quanto tempo Gregório ficou nesse estado. Em certo momento ao abrir
os olhos foi tomado por um pavor ainda maior. Os horrores continuavam
a ronda-lo e seu corpo havia tomado a forma de uma mulher.
.Pandora
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