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Capítulo Final


Josh Killman era um renomado escritor de romances de suspense, que passava pelo pior bloqueio criativo de sua vida. Tendo alcançado o estrelato com sua série de livros protagonizados pelo detetive sobrenatural Jim Holloway – um investigador particular que usava magia negra e pacto com demônios para solucionar seus casos – Josh contrariou toda a lógica do mercado editorial no momento em que resolveu, no auge de sua fama e carreira, matar o detetive em seu último livro publicado. Ao anunciar o fim do protagonista de seus romances, Killman afirmou que estava se sentindo muito preso ao personagem e desejava buscar algo novo, explorar novos horizontes criativos, e essa teria sido a razão pela qual escolhera matar Jim, para deixar claro que o detetive não retornaria.
Pobre Josh, não esperava que a reação do público seria tão negativa. Os fãs e a imprensa rechaçaram o escritor, que passou a ter que conviver com um açoite diário de todos os lados. Eram milhares de mensagens, e-mails e cartas que chegavam reprimindo-o por sua escolha. A pressão era tanta que ele não conseguia mais ter nenhuma ideia nova, tudo que lhe vinha à mente eram críticas.
Já havia se passado sete anos sem uma publicação de Killman. Sete anos e Jim Holloway parecia mais vivo do que nunca. Por mais que o personagem tenha desaparecido das páginas, os fãs não o deixaram morrer e alimentaram a sua figura no imaginário popular. Existiam até boatos de uma adaptação para o cinema.

Josh Killman decidiu então fugir de toda a pressão externa e refugiar-se em sua casa de campo, no norte da Inglaterra, em busca de paz e inspiração. No entanto, o que o escritor acabou por encontrar foi o tormento que o levaria a sua derrocada final.

Era uma noite fria de outono quando Killman dirigia, cortando a neblina da estrada de terra, até chegar a sua casa, no alto de uma colina. A casa era simples e antiga. Havia uma árvore perto da entrada que, devido a época do ano, estava com os galhos aparentes, sem folhas, o que, somado a neblina, trazia um ar mórbido ao local. Josh cancelou todos os meios de comunicação com o meio externo – nada de internet, televisão ou rádio. Nada que pudesse atrapalhar o seu momento de concepção. Ele passou o resto da noite preparando o ambiente para começar a trabalhar na manhã seguinte. Mas foi durante a madrugada, quando Killman finalmente deitou para dormir, que o evento que traria a sua ruína começou.
Após horas virando-se na cama, sem conseguir dormir, Josh ouviu o barulho da madeira do assoalho ranger e, ao abrir os olhos, se deparou com a figura de Jim Holloway. Ali, parada, na frente da porta do seu quarto. Josh não conseguia reagir àquela presença, seu corpo congelara. Seus olhos, a única coisa que conseguia ter controle, ficavam mais nervosos a medida que Holloway se aproximava em lentas passadas, as quais pareciam durar eras inteiras e soavam como o último suspiro de um homem moribundo. O espectro de Holloway se posicionou ao lado da cama e aproximou os lábios do ouvido de Killman, que agora tentava enxergar alguma coisa pelo canto dos olhos. Foi então que ele proferiu algo que Josh não conseguira compreender, uma espécie de idioma murmurado que não fazia sentido neste plano astral. No entanto, não foi o conteúdo das palavras que arrepiou até a última espinha do escritor indefeso, mas sim a voz que as emitiu. Era uma distorção etérea da voz do próprio Killman. A figura de Holloway desapareceu do quarto, mas Killman ainda conseguia escutar a voz ecoando no interior de sua mente. Sua mobilidade retornou e ele levantou da cama – suas pernas estavam lentas, elas pareciam carregar o peso de um universo inteiro – e desceu as escadas até a máquina de escrever, que ficava no canto da sala. Ele sentou para datilografar e sentiu as mãos geladas de Holloway tocar seus ombros. Seus dedos batiam nas teclas da máquina ritmados com as palavras que ecoavam, numa velocidade cada vez maior, dentro da sua cabeça.

Após algumas semanas sem notícias de Killman, seu editor decide ir ao seu encontro. Ao subir a colina enevoada, ele se depara com o corpo do escritor, em um estágio inicial de decomposição, enforcado por uma corda que estava amarrada em um dos galhos da árvore próxima a entrada da casa. O editor entra na residência e encontra, ao lado da máquina de escrever, centenas de folhas empilhadas. Ele pega a primeira e a aproxima do rosto para poder ler, ela possui apenas uma frase: “O Retorno de Jim Holloway”.
Um mês depois o livro é publicado e torna-se o maior best-seller do falecido autor.

Por
H.P. Hatecraft

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