Quando um bebê nasce, a primeira coisa que esperamos ouvir dele é seu choro. No parto do terceiro filho de Maria, porém, o silêncio fora absoluto.
- Ele está bem? - perguntara Maria, ofegante, à parteira.
- Só... só um instantinho - dissera a parteira, levando o bebê até a janela.
Em vinte anos de profissão, Dona Lucia nunca fizera um parto fracassado; olhando para o céu, ela rezava para que aquele não fosse o primeiro.
- Me dê meu bebê! - exclamara Maria do outro lado do quarto, seus cabelos louros grudados no suor de sua testa, resultado de horas de trabalho de parto.
Lucia andara hesitante pelo cômodo, mas realizara o desejo de sua cliente e amiga. Ao pegar o filho nos braços, Maria abrira um grande sorriso.
- Veja só como ele respira bonito! - balbuciara a mãe. - E esse olhos?! Azuis como o do pai! Ah, como estou feliz...
O bebê nascera morto. E nunca abrira suas pálpebras.
5 anos depois
Marcelinho tinha muitos amigos na sua sala da primeira série. Diria que todo mundo era seu amigo, menos o Fabrício, que era mau e fedia a ovo podre. De todos os seus amigos, o seu melhor amigo, assim, o melhor mesmo, era sem sombra de dúvidas Davi. Eles tinham muitos interesses em comum, tipo jogar futebol e brincar de monstros espaciais. Davi morava numa casa grande perto da escola e Marcelinho sempre ia lá depois da aula, comer um lanche feito pela mãe de seu amigo, dona Alice. Naquela tarde de segunda-feira não foi diferente.
- Hoje eu fiz um misto quente com tomate! – disse dona Alice, colocando os pratos à frente de Davi e Marcelinho assim que eles se sentaram à mesa.
- Ai, mãe, eu não gosto de tomate! – exclamou Davi, encarando o negócio vermelho com cara de nojo.
Dona Alice adotou um olhar de desaprovação, mas antes que pudesse dizer algo, Marcelinho se prontificou:
- Mas eu gosto! Passa pra cá! – E tirou os tomates do sanduíche do amigo para colocar no seu.
Dona Alice sorriu, abraçando Marcelinho. Marcelinho sorriu de volta.
Mais tarde, Marcelinho chegou em sua casa com Davi ao seu encalço. Seria a primeira vez que seu amigo dormiria na sua casa; sua mãe, Maria, não gostava de visitas por causa do estado frágil de saúde do filho mais novo, Eduardo, mas Marcelinho conseguira convencê-la.
- Esse aqui é meu quarto! – disse Marcelinho a Davi.
O quarto não era muito grande, mas parecia aconchegante. A cama era coberta por um edredom de Toy Story e as paredes eram pintadas de azul.
- Tu brinca de boneca? – perguntou Davi, que viu um boneco de crochê em cima da cômoda.
Marcelinho só reparou em Eduardo nesse instante. Ele tinha a mania de subir em móveis de cômodos aleatórios. Marcelinho não gostava disso, porque sentia que era uma invasão de privacidade no seu quarto que já não tinha lá muito espaço. O de Eduardo era muito maior, não era? Então por que ele não ficava lá? Logo tratou de tirá-lo dali.
- Dudu! Já falei que não é pra você vir no meu quarto quando não to aqui!
Davi observou Marcelinho pegar o boneco de uma forma esquisita. Não era pela cabeça ou até pela barriga; era como se fosse um bebê no colo do amigo. Marcelinho se afastou, abriu uma porta, fechou outra e voltou para o quarto.
- Cara, tu brinca de boneca? – repetiu Davi.
Marcelinho franziu a testa para o amigo e respondeu:
- Que boneca? Aquele é o meu irmão!
Mr. Dunas
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