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Mostrando postagens de abril, 2018

Ερημιά

e .ri.mi.á,  s.f. |  do grego:  1. reclusão  2. deserto  3. solidão DIÁRIO DE BORDO - SOL 61 Isto não é um documento oficial. Temo que se fosse lido pela equipe em casa, pensariam que enlouqueci. Não acho que seja o caso, então preciso registrar esses pensamentos de forma mais privada, porque... Tem mais alguém aqui. Talvez não alguém. Algo. Mas o que quer que seja: estou escutando barulhos, batidas contra a parede da base. Sempre à noite, sempre quando não há vento ou tempestade alguma. Mas quando saio para verificar pela manhã, não há nada lá. Nem um arranhão. Não sei o que pode ser, e prefiro não pensar sobre isso. É fácil se deixar levar pela imaginação quando se está completamente só em um planeta. DIÁRIO DE BORDO - SOL 65 Se tem um lugar que seria assombrado, é aquele cujas luas são Medo e Terror. Nunca considerei isso, e definitivamente não era algo que me viria à cabeça quando   me inscrevi para a missão. Claro que não....

Bestia rectum analis

por Dr. Klaus Deitou-se na maca gelada e metálica da sala de exames. Uma auxiliar de enfermagem o ajudou a colocar uma bata de algodão azul. Sentiu mais frio ainda, mas não tinha o que fazer. “Deite de lado”, ela falou. “Virado para a tela do computador, senhor. Daqui a pouco a doutora chega”. Ele agradeceu sem saber bem por quê e esperou por longos e intermináveis três minutos a chegada da médica. Um seco “bom dia” foi tudo o que ela disse ao chegar. Ela olhava mais para o aparelho de ultrassom do que para o corpo do paciente. Em segundos, a doutora iniciou os procedimentos do exame, apenas mais um entre dezenas, provavelmente, realizados naquele mesmo dia. - Qual o motivo do pedido? - Tenho sentido umas dores e o médico pediu pra ver. - Onde é a dor? - Não sei direito, muda de lugar. Apontou com o dedo indicador a altura do estômago e era como se a dor irradiasse para o fígado e outras partes do seu abdomem. “Certo”, “Vamos dar uma olhada”. Ela encostou o aparelho...

O Vizinho

É inverno, chove sem parar há três dias e Laura finalmente termina de se mudar para o novo apartamento, em um prédio antigo no centro da cidade. Recém saída da casa dos pais, ela não poderia estar mais animada com a perspectiva de independência. Após uma festa de inauguração, ela se despede dos amigos acompanhando-os até o elevador, quando percebe a porta do apartamento vizinho ao seu ser aberta. Laura jurava que aquele apartamento estava desocupado, pois durante as semanas que passou organizando a mudança nunca notou nenhum tipo de movimentação ou barulho que indicasse a presença de uma pessoa ali. No entanto, um homem saía de dentro do aposento. Ele tinha aparência jovial, uma pele pálida como a neve e cabelos mais escuros que a noite, os quais caíam sobre o seu rosto. Ele carregava uma caixa de guitarra e passou apressado por Laura e seus amigos. Ela observava-o com curiosidade, quando seus olhares se encontraram. Dizem que ao olhar nos olhos de uma pessoa é possível enxergar sua ...

Mãe,

Você disse que os fantasmas iam embora. Eu só precisava tomar os remédios e fechar os olhos. Mas esse não foi. Eu nem sei por que estou escrevendo. Não sei se você vai ler isso algum dia. Eu ainda me lembro da primeira vez que aconteceu. A vó tinha acabado de morrer. Quando eu te disse que ela tinha me contado uma história pra dormir, você me levou no hospital. O médico me fez um monte de perguntas. Eu estava triste, não tinha feito nada de errado, não entendi o que estava acontecendo. Ele te falou que não tinha nada de errado comigo. “Crianças lidam com o luto de forma diferente”. Eu não sabia o que era luto. Você transformou minha adolescência num inferno. Quando eu te falei sobre o fantasma que me visitava você me levou no médico novamente. Eu já sabia o que era um psiquiatra. Você disse para ele que eu era desconectada da realidade. Que não sabia discernir o que era real e o que era ilusão. Foi nesse dia que começou. Minha dose diária de pílulas. O dia em que você me desli...

Onde Dormem as Borboletas

                                Inspirado pela música homônima de Kenny Hotz ATO I                 O homem dos cabelos rasos, assim chamado porque seu couro cabeludo havia passado a se assemelhar a uma piscina (não está vazia, mas dá pra ver o fundo), temia profundamente seu falecimento desde o dia em que percebera que seus cachos vagarosamente caiam e não tornavam a se erguer. Esse seu temor é indubitavelmente fruto da realização de seu envelhecimento, da qual a maioria é afortunada o bastante para alcançar gradativamente, de modo que a dor só aparece quando o indivíduo realmente percebe, e dali pra frente não há muito mais tempo pra senti-la de qualquer maneira.                 O ...

Aula de campo

O sol acabara de se por quando eles perceberam que a cerveja havia acabado. - Pedro, cadê o resto da cerveja? - Gabriel perguntava diante de uma caixa térmica vazio. - Ué, tá aí. Eu coloquei toda a cerveja aí dentro. - Pedro respondia levando um pedaço de carne à boca. Gabriel volta irritado à varanda onde estão os outros dois. Pedro come vorazmente o final do churrasco, enquanto Carlos está encostado em uma das colunas com o olhar distante. - Vai continuar com essa cara, velho? Já foi. O vagabundo mereceu. - Ih, ele ainda tá nessa? - Pedro ri com desdém. - Anda, Carlos, come um pouco antes que esse gordo acabe com tudo. Carlos olha para as garrafas vazias, e anda em direção ao carro estacionado na frente da casa. Com o cair da noite, o coro de grilos e rãs começa a ser ouvido por todo lado. Os três amigos estão em uma chácara afastada da cidade. O imóvel pertence ao avô de Gabriel, já falecido. Seus pais moram no exterior, então o filho único tem acesso exclusiv...

ESCHEREDRO

T. Sternberg em 1958 Trecho do Artigo “ Escheredro de Sternberg – Geometria Irracional e Neoplatonismo ”, de 1988 (...)                            Maio de 1968 foi o mês em que o professor de matemática e lógica do Seminário de Viena, Dr. Sternberg (1894-1970), foi internado em Salzburgo. Sentia dores intensas atrás dos olhos e no músculo de mastigar. O que era pra ser um breve retiro de seu trabalho intenso agravou-se na manhã do segundo dia, quando acordou com febre forte. O dia passou e com ele foi-se a febre; só para que retornasse mais forte na manhã do terceiro dia, se esvaindo da mesma forma que anteriormente. Também retornara o sonho que tivera na primeira noite, sonho o qual não tinha dado valor antes, mas que iria persegui-lo até setembro do mesmo ano. Durante esse período, temos acesso à parte de seus murmúrios no livreto “Diários da F...