e.ri.mi.á, s.f. | do grego:
1. reclusão
2. deserto
3. solidão
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 61
Isto não
é um documento oficial. Temo que se fosse lido pela equipe em casa, pensariam
que enlouqueci. Não acho que seja o caso, então preciso registrar esses
pensamentos de forma mais privada, porque...
Tem mais
alguém aqui.
Talvez não alguém. Algo.
Mas o que quer que seja: estou escutando barulhos, batidas contra a parede da base. Sempre à noite, sempre quando não há vento ou tempestade alguma. Mas quando saio para verificar pela manhã, não há nada lá. Nem um arranhão.
Não sei o que pode ser, e prefiro não pensar sobre isso. É fácil se deixar levar pela imaginação quando se está completamente só em um planeta.
Talvez não alguém. Algo.
Mas o que quer que seja: estou escutando barulhos, batidas contra a parede da base. Sempre à noite, sempre quando não há vento ou tempestade alguma. Mas quando saio para verificar pela manhã, não há nada lá. Nem um arranhão.
Não sei o que pode ser, e prefiro não pensar sobre isso. É fácil se deixar levar pela imaginação quando se está completamente só em um planeta.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 65
Se tem um
lugar que seria assombrado, é aquele cujas luas são Medo e Terror.
Nunca considerei
isso, e definitivamente não era algo que me viria à cabeça quando me inscrevi para a missão.
Claro que
não.
Os
vestígios do que talvez fosse uma civilização ancestral encontrados pela sonda três
anos atrás enlouqueceram a comunidade científica, e a mobilização para enviar
alguém para cá foi realizada em tempo recorde. Ninguém estava pensando em fantasmas ou qualquer baboseira do tipo.
Era uma
oportunidade boa demais para ser verdade, se eu parar para pensar um pouco.
Praticamente feita para mim. Os conhecimentos eram muito específicos, e não são
muitos que aceitariam uma missão solo de quase três anos estudando o polo de um
planeta a 56,7 milhões de quilômetros de casa.
Mas o
espaço é sedutor, a distância dos problemas terrenos, convidativa, e a
curiosidade voraz era minha força motriz. Não havia nada me prendendo, e ficar
só nunca foi um problema. Pelo menos antes.
Agora
só queria ter mais alguém para conversar sobre isso tudo.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 66
A grande
ironia é que qualquer um que me conheça iria me descrever como uma pessoa
cética. Mesmo criança, era difícil acreditar em algo muito além do real, e não abria
espaço para muitas coisas mais. Até o medo do escuro desapareceu rapidamente na
transição para a adolescência, e desde então estive tempo demais com a cabeça
nas estrelas para ter medo da noite.
Mas eu
tenho muito tempo livre agora. E essas batidas... me inquietam, me enervam, e mesmo
quando param, continuam a me atormentar pelo resto da noite.
Costumava
pensar sobre como era a primeira pessoa a fazer qualquer coisa aqui em séculos.
Hoje não tenho mais tanta certeza.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 76
Não são
mais só batidas. Pouco depois do pôr do sol, houve...
Não sei.
Alguma coisa.
Gostaria
de pensar que me confundi, mas fica cada vez mais difícil acreditar nisso. E definitivamente vi algo lá
fora. Apenas por uma fração de segundo, mas –
Se no
espaço ninguém pode escutar você gritar, o que foi que escutei agora há pouco?
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 79
O
gerador está com algum tipo de defeito, e as luzes não estão funcionando bem. Tentei
encontrar o problema, não deu em nada. Já comuniquei para a equipe de
especialistas em casa, mas pelo jeito, levará alguns sóis antes que eles
consigam me ajudar a resolver. Até lá, fica impossível analisar as amostras recolhidas.
Não
que tivesse me concentrado nisso nos últimos tempos, de qualquer forma. Não
consigo parar de pensar no que pode estar lá fora. No que a coisa quer. Os sóis
parecem estar ainda mais longos, e o tempo não passa.
Acho
que estou ficando doente.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 81
Nunca
tinha notado o quão silencioso esse lugar era até as batidas surgirem. Quando
desligo todos os equipamentos para escutar melhor o que está acontecendo lá
fora, o silêncio é quase ensurdecedor. Minha cabeça dói, as luzes vacilantes
não ajudam; não tenho dormido bem.
Não posso
entrar em desespero, porque o ser humano mais próximo está a 12 minutos luz
daqui, uma viagem de quase um ano com a tecnologia atual. Mesmo que pedisse
socorro, não teriam o que fazer.
Mencionei
pela primeira vez os sons que estou escutando para os técnicos. Disseram que
provavelmente tinha relação com o problema do gerador.
Sei que estão
errados.
Hoje,
quando as batidas começaram, bati de volta. E quando os outros sons começaram, falei
com eles.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 82
Está
respondendo. Nada elaborado, mas responde!
A voz é
estranha e me arrepia até o último fio de cabelo. Mas é uma voz.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 83
O que eu
achava que eram apenas grunhidos e gritos devem fazer parte de um idioma daqui,
de algum tempo imemorial. Me assustavam; não compreendia no princípio, mas
quanto mais tempo passa, mais faz sentido. Faz todo sentido.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 90
O
pessoal em casa está ficando preocupado. Sabem
que não durmo há muitos sóis. Aparentemente, viram algo em um de seus
satélites. Querem mais relatórios sobre a situação aqui, mas agora é tarde, não
tenho como, não posso mais perder tempo com isso. Eles nunca entenderiam.
Precisariam estar aqui, precisariam ver.
Não
há ninguém além de mim.
Todas
as teorias... nunca pensei que poderíamos ter errado tanto. Até que eu encontre
uma forma de mostrar para eles, de contar as histórias como devem ser escutadas,
não posso arriscar dizer nada.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 93
Não
consigo. Não sou capaz de convencer a base de que tudo está bem, nunca esteve melhor, reportar tudo que estou
descobrindo. Aprendi tanto em tão
pouco tempo, o que podemos fazer para TRAZER DE VOLTA e eles simplesmente não
conseguem aceitar, preferem continuar na ignorância,
realmente
acham que estou enlouquecendo.
DE QUE ADIANTA?
Querem
que eu volte para casa. Mas precisam de minha ajuda aqui. Não vou voltar. Não posso
voltar.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 95
Ontem,
sonhei com o passado. Não precisei imaginar mais nada, porque estava tudo lá. A
Guerra; a Glória; o Horror; a Destruição. A espera eterna no frio cruel. Completamente só, esperou por tanto tempo e depois de tudo o frio foi só o que restou. Frio e pó.
O medo era
tudo que havia.
Até
agora.
DIÁRIO DE
BORDO - SOL 99
Os
dispositivos de comunicação estão destruídos.
Depois do
sonho – da memória – tudo ficou
claro. Percebi o quão simples era. Os fatos estavam à minha frente, era só uma
questão de tempo antes de que pudesse juntá-los.
A
humanidade é insaciável. Quando mais vierem, e vão vir, estaremos aqui, e transmitiremos nossa mensagem. Ascenderemos.
Esta é a
entrada final, minha despedida. Estou deixando a base. Não há mais nada para
mim lá. Estou indo para casa.
Não vou
com ele, pois já somos um.
A solidão
fica para trás.
por Mia Deckard
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