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O Sabre, por zozimo bulbul



Tomou o segundo tapa na cara quando voltou a chorar sem parar, soltando aqueles soluços que lembravam mais o coaxar de sapos-boi. Retomou o testemunho desde o inicio, mais ou menos de onde havia parado de contar o que tinha visto. Não conseguia olhar para a cara do delegado. Um misto de medo e vergonha tomava conta de si. Caralho, quem vai acreditar nessa história, porra? Esse policial vai partir minha cara em duas. O delegado voltou a acender seu charuto, seu relógio prateado indicava um horário que não condizia muito com a luz que vinha da janelinha acima do armário. Eram oito da noite e ainda estava claro lá fora. Merda! Estou ficando louco. Pacientemente o delegado cruzou as pernas deu o gole em seu café, que parecia não estar tão quente e foi mais direto do que antes. 



Por que só você saiu com vida do lugar? Trinta pessoas. Trinta pessoas morreram ali. E só  você saiu com vida? No que você quer que eu acredite? Que chegou alguém com uma espada e matou todo mundo? Que ele teve piedade de você? La fora começara a chover. Estranho. Agora a pouco fazia um sol forte la fora. Eram oito da noite. Minha cabeça dói. Ele encara a as medalhas em cima de um birô no canto e fala tinha uma assombração lá. Tinha uma assombração la que matou todo mundo, doutô. Veio a terceira tapa na cara. Seguido de uma cuspida. Uma cuspida vermelha. Era sangue e saliva. Sangue e saliva escorrendo em sua cara. Sangue e saliva escorrendo em minha cara de novo, lembrou. Do outro lado do birô, uma espada atravessava o corpo do delegado, fazendo-o grunhir como um leitão sendo esfolado vivo. Santo deus ate aqui esse diabo me persegue? O delegado tomba sem vida. 




Ele levanta-se. Abre a porta da sala do delegado moribundo e sai. Depara-se com o salão de festas onde doze horas atrás presenciara uma chacina. Todos estavam vivos. Todos estão vivos de novo, falou em voz alta. Deu meia volta para abrir a porta e voltar para a sala do delegado. Não havia mais porta alguma ali. Tomou um grito do patrão. Entre os criados, sempre fora o mais lento, ainda mais depois dos cinquenta. Va! Va buscar mais champanhe Emanuel. Esse nego é lento que dói, disse o filho do patrão, antes de ter sua cabeça decepada de uma só vez diante dos seus parentes. La fora, a chuva parava e começava a escurecer serenamente.


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