São vinte e duas horas. Estou sentada na escrivaninha do meu quarto de frente ao computador. Olho para o teto branco, para os livros e o armário de madeira, bato meus pés no chão e mordo a tampa da caneta. Faz calor e decido ligar o ventilador. Impaciente, me levanto da cadeira e saio do quarto para pegar um copo de água. Coloco o copo em cima da escrivaninha, olho para minha cama e olho para o computador, penso comigo mesma que é melhor ir dormir. Meu cachorro arranha as unhas na porta do meu quarto, o barulho me dá agonia e eu mando ele parar. Ele chora para entrar, eu abro a porta. Me viro para o computador e tendo terminar o meu trabalho, meu cachorro tenta lamber o meu rosto. Mando ele sair, ele se deita próximo ao armário, sorrio para ele e volto a olhar o computador. Apago tudo o que tinha escrito. Coloco os fones de ouvido e a música no último volume para ficar mais calma. São vinte e três horas e vinte minutos. Consigo adiantar algo, olho para o meu cachorro e percebo que ele roeu um canto do meu armário, Tiro meu cachorro do quarto, fecho a porta e desligo o computador, apago as luzes e me deito na cama. Sinto dor de cabeça, penso em me levantar e tomar um remédio, mas desisto. Eu durmo. São uma e meia de madrugada. Acordo com minha respiração ofegante e me sinto desconfortável. Escuto o mesmo barulho de unhas arranhando a porta do meu quarto, provavelmente meu cachorro. Me aproximo da porta, vejo fiapos de madeira atravessando a brecha entre o chão. Dou 3 batidas na porta e falo “vai dormir”. Escuto uma respiração forte do outro lado, bato na porta mais uma vez e repito, “vai dormir”. Ele se afasta da porta e eu volto para minha cama. São duas e meia da madrugada. O mesmo barulho se repete, estou muito cansada para levantar e reclamar outra vez. Coloco um travesseiro sobre a cabeça e volto a dormir. São três e meia da madrugada. Com a visão embaçada de sono, percebo a porta do meu quarto entre aberta e meu cobertor está no chão. Um barulho vem do outro lado do quarto, algo arranhando a madeira acompanhado de uma respiração irregular e abafada. Meu coração acelera, não consigo me mover e tenho medo de olhar. Fecho os olho e rezo para que o que quer que seja vá embora. Inclino minha cabeça e abro meus olhos devagar e direciono meu olhar na procura do que está fazendo tal barulho. Vejo um corpo pequeno, pelagem rala e acobreada e pés deformados, arranhar suas unhas afiadas e pretas na madeira do meu armário. Esse corpo pequeno que não consigo classificar vira o seu rosto para mim, vejo seus olhos extremamente azuis. Imediatamente fecho os meus olhos e não me movo. Escuto o pisar forte da criatura contra o chão caminhando em minha direção. Ele sobe na cama e rasteja em direção ao meu rosto. O corpo gelado da criatura pesa contra o meu, sinto nojo. As pequenas mãos de unhas longas agarram a minha cabeça, ele aproxima seu rosto ao meu. Sinto seu hálito podre que sopra contra o meu nariz e procura a minha orelha e diz “Eu não consegui dormir”.
A noite, a chuva, o trânsito intenso de automóveis, o barulho de buzinas, vendedores ambulantes correndo entre os carros com doces ou pizzas, letreiros luminosos e outdoors, peças publicitárias freneticamente lançadas sobre a morosidade do deslocamento, tudo isso poderia irritar uma pessoa que sai do trabalho para casa. Mais ainda alguém que precisa chegar rápido para tentar encontrar uma cena de crime intacta, não modificada pela vizinhança, por curiosos ou mesmo pela própria polícia. Mais uma sexta-feira estressante, mais uma sexta-feira normal para o policial civil Roberto Donato. Na Agamenon Magalhães não há trégua, a paciência é fundamental, tanto quanto os cigarros, o som do rádio no programa de notícias locais, ou a inexistente sirene, o ineficiente ITEP, o colete à prova de balas e se aproximar da estação Joanna Bezerra, na comunidade do COC. Ao sair do carro, seus passos apressados faziam oposição à postura cabisbaixa e incrédula dos quatro policiais militares, das deze...
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