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Hora de Acordar




Foi inexplicável. Eu simplesmente ''acordei'' e estava no quintal. Eram 17h22min, eu estava em pé, olhando para a porta da minha casa e não entendia nada do que tinha acabado de acontecer. Senti uma dor no meu nariz, e percebi que um líquido saía vagarosamente dele. Coloquei minha mão para ver o que era, era sangue. Nada daquilo fazia sentido, como ainda não faz. Só sei que entrei em casa, e não vi ninguém. Fui em direção a estante, onde procurei meu remédio contra insônia, para saber se não tinha tomado tudo de uma vez, e estava lá, praticamente tudo, só tinha usado apenas um daqueles comprimidos, ontem, lembrei que precisava tomar todos os dias as 3h da manhã. Coloquei de volta no lugar e ouvi um barulho que vinha da cozinha, era a voz da minha filha, falando com minha esposa. Fui até lá, andando vagarosamente entre o corredor que faz a ligação entre a sala e a cozinha. Quando chego na porta, vi um homem beijando Luana, a minha esposa. Naquele pequeno momento de estranheza e incredibilidade, senti o meu rosto mudar sozinho. Eu estava com as sobrancelhas franzidas, e com um sorriso largo no rosto, mas sem mostrar os dentes. Foi o momento mais intenso e perturbador que já vi na minha vida.

Fiquei congelado, sem reação, enquanto sentia os batimentos do meu coração saltarem como nunca. Corri em direção ao homem com toda a raiva do mundo, quando chego rente ao homem, ele olha para mim, dando somente o tempo de acerta-lo na boca, com um grande murro, levando-o ao chão. Eu estava fora de mim, nunca tive uma atitude assim, e quando o acertei ainda não acreditava que tinha cometido tamanha audácia. A minha esposa olhava desesperada para ele, como se não me conhecesse. A minha filha gritava de medo e corria para atrás da mãe. Olhando nos meus olhos, apavorada, Luana me perguntou: ''Quem é você?'' Nesse exato momento, senti um aperto enorme no meu coração. Não entendia nada. Até que o homem finalmente levanta, vejo seu rosto. Era eu mesmo. Dei 3 passos para trás, desesperado. Apaguei.

Acordei no meio da madrugada, estava no meio da sala. Estava ofegante, angustiado. Percebi um corte em minha boca, dava para sentir o gosto de sangue. Não dei muita importância a isso, e fui em direção ao meu quarto. Quando abro a porta, vejo novamente o homem dormir ao lado de minha esposa.  Me aproximei dele, ou devo dizer, de mim. Estava eu lá, próximo dele, na beirada da cama. Olhando para o seu rosto, via como ele era idêntico a mim, o sinal que tinha no rosto, o jeito de dormir. Em meio ao pânico, me vi com uma faca na mão, minha mão ergueu-se para mata-lo. Senti minhas expressões mudarem novamente, eu não queria fazer aquilo. Enquanto lutava internamente contra, gritava, mas não ouvia minha voz sair. Quando de repente ouço meu grito rasgar a garganta fazendo um barulho agonizante de dor e desespero. Acorda apenas o homem, assustado.

Quando percebo, não estou mais ali, estou sentado no sofá, de frente para o corredor que liga até o quarto e a todos os outros cômodos da casa. Olhei no relógio da sala, e tinha acabado de dar 3h da manhã. A hora de tomar o remédio, não conseguia me mover. Estava fixo olhando para frente, enquanto tentava levantar dali, fazia um esforço gigantesco, e nada. Escutei a porta do quarto abrir, e de lá sair o homem em direção a sala. Foi até a estante, pegou o frasco do remédio e o abriu. Todos os comprimidos estavam lá, ele pegou o primeiro e enquanto estava de costas para mim falou com uma voz trêmula: ''Não nos acorde amanhã''.

Por: Carmelita Poe.

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